O Hospital Universitario de San Cristóbal no Estado venezuelano de Tachira
- Josué Silva Abreu Júnior
- 19 de jun. de 2020
- 6 min de leitura
Esta é a quinta matéria de uma série que cobrirá todos os 46 hospitais da Venezuela designados para atender pessoas com Covid-19. Dessa vez será abordado o Hospital Universitário de San Cristóbal, no Estado de Tachira.
Em número de pessoas contaminadas, Tachira é o segundo Estado mais atingido da Venezuela neste momento, logo atrás de Apure. Os dois Estados são fronteiriços com a Colômbia e a maior parte das pessoas contaminadas é de venezuelanos que contraíram o vírus no país vizinho após terem migrado no contexto da crise política. Após o início da pandemia, mais de 55 mil pessoas retornaram à Venezuela. A volta dessas pessoas se dá em função da perda do trabalho nos países para os quais estas pessoas migraram, do preconceito sofrido e da necessidade de pagar por atendimento médico. Na Venezuela, por sua vez, o cidadão conta com atendimento médico gratuito, além de acesso a alimentos distribuídos gratuitamente em casos de necessidade.
Os dois primeiros casos de Covid-19 em Tachira foram anunciados pela governadora opositora a Nicolás Maduro, Laidy Gomes, no dia 6 de abril, por meio de dados repassados pelo Ministério da Saúde. No dia 3 de maio, a governadora informou que apenas 4 pacientes estavam recebendo tratamento na área de isolamento para Covid-19 do Hospital Universitário de San Cristóbal. O deputado igualmente opositor a Maduro, José Manuel Olivares, afirmou que uma pessoa diagnosticada com Covid-19 faleceu neste hospital no dia 16 de maio. Porém, a governadora do Estado, Laidy Gómez, confirmou que nenhum paciente havia morrido por esta doença. Disse, no entanto, que pacientes morreram na área de atenção de vias respiratórias e que, até aquele momento, o resultado dos testes de Covid-19 não haviam ainda chegado. A governadora não informou a quantidade de pacientes que vieram a óbito, porém, disse que 12 pacientes (vivos) estavam aguardando o resultado dos testes. Em relação aos testes, é importante ressaltar que o Estado de Tachira possui uma unidade móvel para processamento de testes PCR e testes rápidos desde o dia 11 de abril. As amostras recolhidas nos demais estados são enviadas para Caracas, porém, após um raro acordo entre Maduro e a Assembléia Nacional presidida por Guaidó, os testes serão descentralizados.
Desde 2018, a Opas está realizando uma cooperação com 23 hospitais da Venezuela e uma rede de 10 organizações não governamentais (ONGs). Em 2018, graças a este esforço, foram doadas 50 toneladas de medicamentos e insumos para a Venezuela. No dia 28 de fevereiro de 2019, o Hospital Universitário de San Cristóbal recebeu aproximadamente duas toneladas de medicamentos e materiais cirúrgicos da Opas, sendo 90 caixa com medicamento e 36 caixas com materiais cirúrgicos. Em 2020, antes que o coronavirus chegasse à Venezuela e ao Estado de Tachira, a representante do Ministério da Saúde, Amelia Fressel, informou que o hospital foi dotado de insumos necessários para a atenção durante a pandemia, além de kits para descartar a Covid-19.
No dia 16 de março, no entanto, alguns profissionais da saúde do Estado responsabilizavam por antecedência o governo nacional por possíveis casos de Covid-19. Os profissionais exigiram igualmente a doação de equipamentos de biosegurança. O portal Frontera Viva realizou uma visita ao hospital e alguns profissionais da saúde afirmaram não contar com as condições mínimas de biosegurança e higiene, nem estar preparados para atender a possíveis casos. Estes profissionais se queixam que EPIs foram doadas para os militares e não para eles. Os profissionais reconhecem, no entanto, que kits e materiais de biosegurança foram doados para os profissionais que trabalham na emergência. Afirmaram igualmente que não possuem tanques para armazenamento de água e que os banheiros não estavam funcionando. Profissionais da Unidade de Cuidados Intensivos (UCI) disseram que a área não estava equipada. Um enfermeiro afirmou que os profissionais não foram instruídos sobre protocolos de assistência a pacientes com coronavírus.
No dia 17 de março, o enfermeiro Rubén Duarte foi detido pela Direção Geral de Contrainteligência Militar (Dgcim) após aparecer em um vídeo difundindo as seguintes informaçãos: "Desmentimos as autoridades nacionais e regionais que o hospital está totalmente equipado com o material de biosegurança para atender os possíveis casos de coronavírus. Nós, ontem, fomos muito claros com o diretor do hospital, a quem exigimos a doação destes equipamentos para todo o pessoal" (...) "Não temos luvas, não temos máscaras, não temos equipametos (...) não temos algumas necessidades que são necessárias e básicas, nem sequer para fazer a limpeza da nossa instituição". Duarte se dirige igualmente ao ministro da saúde pedindo equipamentos. Dirige-se também à governadora, Laidy Gomes, e a representante regional do Ministério da Saúde, Amélia Fressel.
No dia seguinte, o enfermeiro foi liberado. Em entrevista Duarte disse que três funcionários da Contrainteligência militar se apresentaram em sua residência, se identificaram, e disseram que era necessário ir até a sede da instituição. Disse que seus direitos individuais e fundamentais foram respeitados. Afirmou que foi questionado sobre a intenção das suas afirmações. Duarte disse que deixou claro suas intenções e que foi ouvido pelas autoridades de saúde. O enfermeiro voltou a falar do fornecimento de EPI e das instalações do hospital de uma forma mais detalhada. A informação prestada no dia anterior era imprecisa uma vez que o enfermeiro afirmava que hospital não possuía máscaras em absoluto, de forma genérica, enquanto a realidade apontava para uma possível escassez. A confusão entre escassez no fornecimento e falta absoluta de diversos itens é uma estratégia discursiva freqüente entre os opositores do governo. No próprio vídeo difundido por Duarte é possível ver pessoas utilizando máscaras. Após sua liberação, o enfermeiro afirmou que as autoridades lhe haviam dado materiais descartáveis que podem durar alguns dias ou semanas. A informação prestada dessa forma é certamente menos alarmante que uma suposta falta absoluta de EPIs, uma vez que novas EPIs podem ser doadas antes que o fornecimento anterior finalize. Duarte disse também que os encarregados pelo hospital lhe mostraram a área de isolamento para pacientes com suspeita de Covid-19. Afirmou que o espaço está completamente operativo. Segundo o enfermeiro os protestos tiveram resultados. Afirmou que o hospital conseguiu cinco leitos com ventilação mecânica e uma área para a equipe de saúde que estiver em condição de risco. Informou também que estas zonas serão equipadas com medicamentos e insumos. Assegurou que a sala de triagem permanecerá aberta para atender todos os pacientes que apresentarem problemas sintomáticos respiratórios. Disse que o principal logro, no entanto, foi o fato de que diferentes autoridade sentaram para coordenar mesas de diálogos e trabalhos: O protetor de Tachira, Freddy Bernal, a governadora Laidy Gomes, e a autoridade única de saúde, Amélia Fressel. Duarte disse também que os primeiros insumos para guarnecer o centro foram enviados. Cabe ressaltar que os protestos e as doações posteriores ocorreram 20 dias antes do registro do primeiro caso de Covid-19 no Estado.
A reclamação em relação a falta de protocolos específicos foi uma queixa comum em março, no entanto, o protocolo para atendimento de Covid-19 está publicado no site do Ministério da Saúde desde o dia 3 de março e foi atualizado no dia 24 de abril. Em relação a panes elétricas e escassez de água potável, o hospital conta com uma planta elétrica própria e uma bomba de água que garantem o fornecimento destes itens essenciais, assim como em outros hospitais estudados. No dia 19 de fevereiro, quase um mês antes da chegada do coronavírus ao país, houve falta no fornecimento de energia para o hospital, porém, a planta elétrica foi posta em funcionamento. O hospital possui também bombas de respiração manual para casos extremos de falta de energia. Estes equipamentos foram utilizados durante o tempo gasto entre a queda da energia e o início do funcionamento da planta elétrica. Apesar da planta elétrica, os equipamentos não trabalharam em sua totalidade durante a pane. Na ocasião, nenhuma pessoa veio a óbito.
Apesar da suposta falta de EPI, o número de profissionais da saúde contaminados é extremamente baixo na Venezuela, quando comparado a outros contextos. No dia 20 de maio, havia aproximadamente 35 profissionais contaminados pelo coronavírus em todo o país. Até o momento, apenas um médico veio a óbito na Venezuela, no Estado de Zulia. Nos boletins diários apresentados pelo governo, raramente há um profissional da saúde contaminado. Neste contexto, é importante frisar novamente que mais de 70% dos casos positivos de Covid-19 na Venezuela são importados. Dentre os casos de transmissão comunitária, a maior parte está relacionada ao mercado das pulgas de Maracaibo, no Estado de Zulia. Outra fonte importante de contaminação comunitária foi a equipe de beisebol do Estado de Nova Esparta. Os mesmos profissionais do Hospital Universitário de San Cristóbal que reivindicaram EPIs em março, provavelmente denunciariam casos de contaminação ou morte no Hospital de San Cristóbal. O mesmo pode ser feito pelo portal Frontera Viva durante os seus "recorridos" e pela governadora do Estado que é opositora ao Regime Maduro. Não há nenhum indício robusto, até o momento, de que o governo da Venezuela esteja ocultando mortos.
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